#11

Sarajevo, 2 de Setembro de 2007

Devastado. É como me sinto, depois de receber uma dolorosa bofetada à chegada aquele que era o destino que mais aguardava em todo o interrail. Dor aguda, tristeza desmedida e, ao mesmo tempo, um carinho especial pelo país começa a crescer dentro de mim, apaixono-me. Pede-se ao amor que seja doloroso, este pesa mais do que qualquer coisa que jamais havia experimentado. Bem-vindo à Bósnia, se eu tivesse nascido país em vez de homem, era assim que queria ser.



A saída do Montenegro fez-se pelo monumental Parque de Durmitor. Uma viagem de oito horas dentro de um autocarro pode-se tornar sinónimo de desespero, mas esta ligação entre Budva e Sarajevo vai para sempre deixar saudades. Teriam passado à volta de três horas de viagem quando a paisagem se altera radicalmente, da cansativa paisagem desértica, entramos numa zona de pequenas colinas repletas de um verde que nunca vi, salpicada por pequenas casas e uma confortável bruma a estabelecer o ambiente perfeito. Volvidos alguns minutos, a estrada perde metade da sua largura, havendo espaço para o autocarro, alguns bodes de quando em vez, e pouco mais. Depois, surgem os infinitos Canyons ora a terminarem em águas paradas azul-celeste ora a darem lugar a rápidos assustadoramente perigosos. O autocarro teima em fugir para a ravina, por uma vez, enormes pedras a meio de uma curva, em plena descida, fazem com que o condutor trave a fundo para evitar um fim pior para este interrail. Não houve uma pessoa naquele autocarro que não sentisse medo em algum ponto da viagem, mas duvido que tenha havido alguém que se importasse com o seu pavor, tal era a beleza da paisagem que nos consumia segundo a segundo, que me hipnotizava e que tão bem me preparou para dois dias numa terra que não merece nada daquilo por que passou.



Passei a fronteira, estava finalmente na Bósnia-herzegovina. As pequenas estradas deram lugar a pequenas estradas com aluimentos ou crateras de morteiros. Mas era apenas o inicio. Porque depois vieram as pequenas populações ao longo de toda a estrada desde Durmitor até Sarajevo, e acreditem quando vos digo, parte o coração.



Em Kotor, o Leo tinha-nos contado a história de um amigo que tinha visto os soldados sérvios entrarem pela sua casa dentro e morto, um por um, os seus pais e o seu irmão. Foi esta imagem que se desbobinou nos meus olhos, uma e outra e ainda outra vez, a cada momento que via uma casa completamente destroçada por buracos de balas, morteiros, mais balas e ainda mais balas. É inacreditável. O Homem é sem dúvida um animal maldito, pois não há animal que cometa atrocidades daquele tamanho. Casas arruinadas, casas reconstruídas tijolo a tijolo, ainda com plástico a substituir os vidros e placas de zinco a substituir as portas. E pensar que tudo aquilo foi feito por pessoas com capacidade de decidir, se querem matar as famílias que habitam naquela casa ou não. É preciso um estômago muito forte para ver paredes caiadas a balas, tentar não imaginar a quantidade estupidamente megalómana de gente que ali padeceu. Mas mais que isso, é preciso ter um coração fantástico para passar por cima daquilo tudo. E é isso que cada Bósnio tem dentro de si.



Dentro de todas as casas destruídas há famílias uma vez mais. Há volta de cada uma dessas casas há jardins, pequenas hortas, baloiços, jardins, bonitas cercas, crianças que não se cansam de brincar, adultos que não se cansam de sorrir. Não fossem as paredes e tudo aquilo que está escrito, ninguém diria que há dez anos aquele país vivia na miséria de uma guerra obtusa. As lágrimas enchem os olhos. Perturbador, pelo bom e pelo mau, por tudo.



A chegada a Sarajevo mostrou mais do que já tínhamos visto, mas numa escala absurda. Em prédios com trinta ou quarenta andares, as varandas povoadas de roupa a secar lutam dentro da nossa retina com as enormes crateras com as quais partilham todas as paredes do edifício, de cima a baixo. E esta imagem repete-se, e repete-se, e repete-se, mas cessa.



Durante a viagem, reservamos um quarto numa pequena pensão, em pleno centro de Sarajevo. E se a pensão foi uma delicia para os olhos e para o corpo, com uma decoração turca que, apesar de algo extravagante, ser um mimo para o viajante cansado e temendo o pior, se a amigável Gina se mostrou uma fantástica anfitriã e mesmo se os chocolates deixados nas almofadas nos deixaram ainda mais enternecidos, nada vai bater na minha mente o impacto que o centro de Sarajevo me causou.



Imaginava Sarajevo como uma pequena e amigável cidade no meio de pequenos vales verdes, com destroços de guerra e alguns memoriais para visitar. Decerto não esperava que Sarajevo fosse uma Istambul em miniatura, com pequenas casas de pedra com telhados baixos e negros a pintarem cada um dos lados para o qual olhava, com inúmeras mesquitas e minaretes, com as mais belas mulheres que vi na minha vida, mulheres de burca, homens de longas barbas, vendedores de metais, de roupa, de bugigangas, de saborosos cevabs, iogurte e café turco. Não imaginava que ia ficar apaixonado pela maneira como Católicos, Islamistas, Ortodoxos e Judeus coabitam juntos numa harmonia que enternece. O centro da cidade, com as suas pequenas ruas atapetadas por grandes e pequenos seixos, borbulha de vida e de agitação, um mercado ao ar livre, uma confluência de religiões onde a todos é permitido ser aquilo que realmente é. Os buracos das balas continuam a pintar os edifícios. Cinemento vermelho preenche os espaços onde morteiros explodiram no chão, ali aniquilando uma vida. Pela forma que recheiam no chão onde jazem, chamam-lhes Rosas de Sarajevo.



Quem nunca lá foi, está a perder a experiência de uma vida. Um pouco de mim ficou por entre aquelas colunas verdes onde descansa Sarajevo, um pouco de mim percorre agora a atmosfera de encanto que preenche toda uma cidade que não sabia existir. E de certo, um pouco de Sarajevo veio comigo e comigo para sempre vai ficar.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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January 18, 2013 at 6:01 PM  

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