#41

Nuremberg, February 4th 2008

Some thoughts in English so this time everybody gets it right. A couple of days ago Matt came to my place asking for his hard-drive and told me he was doing a video of this five months in Nuremberg. Although the idea had crossed my mind a few days back, I definitely always felt to lazy to do it. Also, there's the problem of doing a thing that u usually will end up not liking after spending so much time working on it. It's kind of like investing your beautiful and kind-of-short time after a girl and then, when you finally have it, you don't want it anymore. Or a boy, anyway girls, you got it, right? The idea absorbed itself.



Anyways, I've not been after any girl in the last week and neither I felt like this came out miserably. It's not amazing, it doesn't even has the greatest moments in here - those that no camera can get - but it certainly gets the message to the other side. At least for those of you who lived part of it. So. Hope everybody likes it, if you want you can even make a little bu-ooh like Lígia did - sorry hon, had to tell the crowd ;-). Bu-ohh. Right. Because Nadya left today. I will guess that was the main reason for doing this. It's a strange and sad feeling. Woke me up at 8:30, gave me some extremely strong coffee that almost cause me a caffeine overdose, and left. Although, for my bad, no one cried. Well, at least not in front of me. In front of me everybody behaves. Or maybe nothing happened because her goodbye party was kind of crazy, kinky I should add, and therefore good feeling trumps bad feelings. Yes it sure does. It's four days left to go and not a single spot of motivation for doing it. Hopes are that good feelings keep on trumping. "This was kind of good, wasn't it?"

#40

Nürnberg, 26 de Janeiro de 2008

Delicioso. Ouvir as diferentes combinações das camadas que uma música que conhecemos de trás para frente tem é, outra vez, delicioso. E o vídeo, amigos, o vídeo é uma delícia, mesmo que só o vejam com o acompanhamento da sexta camada. As minhas duas próximas semanas podiam ser assim, calava o exame de Strategic & Operations Management na terça-feira, seguía o mesmo raciocínio para os exames de Foundations of Business Administration e International Management with Case Studies na quinta feira, e era um rapaz feliz nas suas duas últimas semanas como ERASMUS.



O quarto está meio despido. Nos intervalos do estudo e das leituras de artigos vou tirando as fotografias que pintaram as paredes por cinco meses, arrumando o que quero levar e o que por cá vai ficar. Dia oito estou de volta, para o bem e para o mal, vão ter de levar comigo outra vez. Passou num instante. Ainda está a passar digo. Mas já toda gente se olha como se isto estivesse a acabar, já se dão abraços de despedida prolongada, já se combinam visitas lá para Março, Agosto e afins. E também já se prepara o que virá após as duas semanas. Vou fazer um trabalho de investigação sobre detecção de tendências em blogs. Tenho lido bastantes artigos de investigação científica e, estranhamente, tenho retirado algum prazer disso. Vou fazer um trabalho não remunerado mas vou a cima de tudo - penso, espero - gostar de o fazer. A ver. E agora calo-me, que não estou com grande espírito para escrever. Uma vez mais, delicioso.

#39

Nürnberg, 21 de Janeiro de 2008

Foi há oito anos. Para os mais velhos pode não parecer muito, mas para mim é mais de um terço da minha vida. Sim, já foi há muito tempo. Foi a Diana. Onde é que ela estará hoje? Porque é que as pessoas perdem o contacto uma das outras com tanta facilidade? Ela tinha-te em grande estima, sabes disso, certo? Aquela miúda nunca falhou. Passou a Diana e ficamos nós. Veio uma e outra e ficamos nós. Apareceu a música, começaram os concertos, os festivais e as tendas partilhadas. Tem graça pensar como corríamos pela poeira fora, permanecíamos deliciados durante horas e horas por baixo de um sol de fornalha só para sentir um pouquinho mais do que todos os outros. Enquanto os oito anos passavam, era em ti que eu descarregava tudo o que me ficava entalado cá dentro. Nunca falhaste. Não merecias, ninguém merece. Que cliché tão verdadeiro, não é? Merda. Não te posso dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem, mas posso-te deixar uma mão amiga a tentar forçar um sorriso. Este é para ti.



#38

Nuremberga, 18 de Janeiro 2008

Tinha desiludido a Anne há coisa de duas horas. Tenho de me lembrar diariamente que não se fazem promessas, porque acabamos sempre por não cumpri-las. Eu, mais do que ninguém, devia sabê-lo. A meio da tarde, por entre filas intermináveis de queijo Gouda e compotas biológicas, ela apanhou-me distraído e largou um dos seus sorrisos de criança. "Ontem exagerei um bocado na bebida, não?", perguntei-lhe enquanto tentava decifrar que levar para quando a fome apertar a meio do dia. Ela soltou uma gargalhada, revirou os olhos e continuou o seu caminho em direcção aos congelados. Eu segui-a. Sim, a noite anterior tinha começado ainda o sol ia alto. Era o último dia antes de começar a maratona de duas semanas de estudo intensivo para os exames e eu comprometi-me a não saber de cor o meu número de telemóvel alemão por volta da hora de jantar, o que, devo confessar, foi uma tarefa fácil especialmente porque, com a ajuda dos meus vizinhos, brincadeiras destas são jogos de crianças. Lembro-me que já a noite ia desesperadamente longa e, enquanto uma Francesa e duas Polacas esperavam por mim entre o meu quarto e a porta do apartamento para continuarmos a alcoolemia noutro sítio, eu mirava entretido a prateleira onde guardo o pão e perguntava-me o que teria acontecido à apetitosa baguette que tinha comprado durante a tarde, ignorando por completo o rebanho de pequenas migalhas que banhava a mesa, junto a um pacote de manteiga devastado. Acontece então que, como é normal, o meu dia seguinte foi facilmente suportado à base de resumos de textos monocórdicos sobre integrações empresariais e uma grande chávena de chá a pedir recarga a cada trinta minutos. Como rapaz nervoso que sou, assim que me chateio de estar em casa a estudar vou ao supermercado. É recorrente encontrar gente que conheço por lá e é também bastante normal dizer que sim "vamos lá para os copos esta noite" de cada vez que mo perguntam. Sai-me naturalmente, é coisa que não evito, dizer que sim a conversas que não levam a lado nenhum regada por algumas cervejas. Ora, hoje devia tê-lo evitado. Ela tem os queijos como testemunha, sei que lhe disse que íamos comprar qualquer coisa à simpática senhora do Imbiss chinês ali da esquina, que não nos podíamos esquecer dos pauzinhos - porque tem muito mais piada comer comida desconhecida com objectos desconhecidos - e que quando estivéssemos satisfeitos com a comida e fartos da conversa que o meu colchão proporciona, íamos ao bar da residência beber qualquer coisa. E é aqui que eu falho. Porque se às quatro e meia da tarde a ideia de sair à noite para uns copos me parece formidável, é só quando a altura chega que as minhas pernas perdem todas as energias, talvez proporcionadas por uma noite de pouco sono, e tenho de dizer que afinal já não estou para aí virado, vamos dormir? Ou melhor, primeiro digo que não sei, que já te digo. Depois, quando pressionado e enfeitado com adjectivos femininos, digo que não. E depois tenho de ver a cara, neste caso uma cara de menina francesa de olho bonito, virar para a desilusão. Sou bastante parvo, certo? Mas não era disto que eu queria falar. É que depois disto, aconteceu o seguinte.



Tinha desiludido a Anne há coisa de duas horas. Já dormia, ou dormitava. Sei que só entendi que duas horas tinham passado quando, depois do acto relâmpago, olhei para o relógio e voltei a cair em sono profundo. De repente a escuridão do meu quarto é interrompida por uma descarga de luz vinda do corredor, uma figura que se assemelhava à estátua da liberdade, queixo erguido e uma mão estendida no ar - que no lugar da tocha ostentava, pelo cheiro, erva, - e aos meus ouvidos chega um ruído imperceptível. No momento em que me levantei, a figura, perdendo todo a sua postura estóica e ganhando proporções de assombro, larga um pequeno berro e pergunta-me como é que eu consigo dormir de tronco nu em pleno inverno alemão. Eu, ainda sonâmbulo, aponto-lhe para o aquecimento central e pergunto o que raio se pode passar para me acordarem e porque raio é que não fechei a porta à chave. O Ben, era o Ben, entra no quarto, dá uma longa passa na sua tocha, e sem conseguir estar quieto com a cabeça conta-me de trás para a frente a aborrecida história da noite dele, desde que estivemos todos na conversa enfiados no seu quarto, até ao momento em que entrou no meu quarto, regressado do bar da residência. Já no fim, quando eu estava a perder o fio á meada. Pôs a mão no meu ombro peludo - do qual por essa altura já tinha perdido o medo - e disse-me que tinha dito à Vietnamita - ele gosta de achar que a Jin Hee é do Vietname - e à Francesa que me deviam vir cá dar uns beijos para eu ir par o bar com eles. Agradeci-lhe o gesto, e disse que estava com uma vontade incrível de dormir. E aqui vem a parte estranha, porque ele olha para mim e, tentando transmitir um pouco de seriedade aos seus movimentos, diz-me qualquer coisa como "Phaaa... Pedro, és o gajo mais normal que conheço. Até amanhã, paz." Abraça-me, e vai-se embora para o quarto dele onde a namorada o esperava para mais uma noite de um simpático descontrolo nas estruturas do prédio.



Esta história não tem moral. Mas o que é certo é que nunca me tinha visto por esta perspectiva. Sempre quis ser muita coisa que não sou, nos últimos tempos mais do que nunca, e acho que devia definitivamente confrontar-me com o facto de que sou normal. Se calhar é isso, sou o mais normal. Mas normal. E ser normal não é mau, é? Pelo menos não sou anormal, certo? Tenho de investigar melhor. Tem graça. Já vos disse que vou ser investigador? É verdade, e acho que vai ser uma boa experiência. Mas isso fica para amanhã. Ou depois, que não ando com humor para escrever aqui. Afinal de contas, está tudo a acabar. E a verdade é que eu dava tudo para que não acabasse. Haverá algum mal em não querer voltar? Acho que é normal.

#37

Nuremberga, 10 de Janeiro de 2008

Até agora não fui rapaz de comentar notícias nestes textos, mas como a alternativa é falar de drogas e sexo - o que ao momento, dada a assiduidade com que a minha família me lê, em nada se parece com uma solução - resolvi quebrar barreiras, saltar por cima de arbustos, ervas daninhas, lixo tóxico e afins, e tudo para dizer o seguinte. A partir do momento em que leio aqui que um maçarico-de-bico-direito está a por em causa a construção do novo aeroporto - que agora, ao que parece, já é na margem dos camelos - torna a minha tristeza por voltar ao nosso acarinhado país uma questão demasiado simples para ser confrontada com porquês e derivados. A sério. Maçarico de bico direito? É que estamos sempre a aprender. E a esquecer, em nome de uma boa saúde mental.



Foi algo de estranho o que aconteceu hoje. Estávamos a meio de uma aula, eu estava a expressar a minha opinião reservada sobre aquilo que vou fazer nos meses ou par de anos que se seguem. Tentava explicar a todos o que é muito simples de explicar. "Porque não sei, de facto, o que quero ser quando for grande". E não foi estranho o ter dito isto a um mar de desconhecidos, nem se quer à simpática professora que me ouvia. Inquietante foi a resposta dela, também para a turma toda ouvir, de que o que na ideia eu deveria fazer era tirar um Doutoramento dentro da minha área de estudos e vir para esta Universidade dar aulas. Que ela me gostava de ter aqui. Ela é, ou vai ser, a próxima vice-reitora. Sabem, sei como sou, se visse algum fundamento plausível neste desabafar de palavras nunca me daria ao trabalho de as pôr aqui. Nunca falo daquilo que sei que vai acontecer, só das possibilidades que deixo para trás. E esta há de ser uma delas porque, como lhe tentei explicar, o rapaz comunicativo e simpático que ela conhece não foi fadado para dar aulas. Aulas relacionadas com o meu curso, pelo menos. Bom, mas o estranho aqui é mesmo ter ouvido algo vindo de uma pessoa extremamente ponderada que me apanhou completamente de surpresa. Disse-o com uma sinceridade que me desarmou, deixou-se disponível para eu falar com ela sempre que quisesse, durante os próximos anos, caso achasse que era uma coisa em que devia apostar. Nunca o vou fazer, apesar de que acho que é neste ano de 2008 que devia apostar nos postais e telefonemas de natal para nunca perder o contacto de tanta gente boa que conheci. Não obstante, ouvir alguém confiar em nós de uma maneira tão livre como ela o fez foi algo que me marcou o dia. Escrevi-lhe isso na nota que tínhamos de dar como feedback à disciplina em questão. É uma pessoa que dá prazer ouvir falar, de entender como leva a vida de uma forma tão comprometida e, ainda assim, feliz. Nada vai mudar nas minhas convicções à cerca de quem sou e do que poderei fazer, mas penso que hoje, pela primeira vez, senti convicção fundamentada nas minhas capacidades, nas capacidades do murcão irresponsável e trapalhão que conheces. Foi bom, e fica aqui para me aumentar o ego e fomentar a auto-absorção que é este blog e que, regra-geral, são os meus pensamentos. Juro que agora me apetecia falar de sexo e drogas leves. Um pouco de álcool também. E porque não de café e música popular, para juntar tudo no mesmo saco. Para dizer a verdade, até já tenho o texto escrito e, digo-vos, a ideia dava um livro daqueles de qualidade pouco duvidosa. Mas acho que a minha mãe e o meu pai não iam encarar a conversa com grande facilidade e felicidade. Eles que me digam, se quiserem. Um abraço, e feliz ano novo.

#36

Nürnberg, 20 de Dezembro de 2007

Muito bem, vamos por partes. Há coisa de um mês comprei um disco externo para ter sítio onde guardar as quantidades pornográficas de música e fotografias que diariamente me faziam receber avisos de limite de espaço em disco. Um problema resolvido, portanto. Uns meses antes, a minha mochila cinzenta, bonita, prática e confortável sofreu um inexplicável revés na amigável companhia que me fazia às omoplatas, quando o seu fecho decidiu começar a abrir sem anuncio prévio e mão competente que o quisesse abrir. No entanto, graças ao milagre da existência que são as avós, um alfinete no sítio certo e o fecho parou de abrir sem que eu lhe pedisse. Outro problema resolvido, lá está. Com outro salto no tempo, chegamos à manhã de ontem, onde depois da aborrecida apresentação acerca dos recursos humanos da disney europa Professor e alunos começaram a beber Sekt (que é como quem diz Espumante nesta complicada língua) e Vinho Quente a acompanhar uns deliciosos Lebkuchen de chocolate. Ora, chamem-nos parvos, mas como bons ERASMUS que somos, sem aulas para aborrecer o resto do dia, agarramos em quatro garrafas à toa e fomos para um canto bebê-las descontraidamente. Eram onze da manhã e já estávamos todos Germanicamente entusiasmados. E vocês já sabem que, regra geral, quando eu estou entusiasmado salto mais do que o que é normal.



Bom, certo é que a caminho da casa de um dos Alemães, dei por mim com a mochila aberta. O meu estado de espírito foi completamente abalado quando dei pela falta da merda do disco. Meninos, façam backups. A sério. Eu não vou fazer porque comprar para comprar outro disco de 230GB prefiro pôr-me ali à frente de um ICE e esperar que o céu seja um lugar perfeito, mas olhem, se poderem vá, façam cópias daquilo que prezam, digitalmente falado. Mas a parte boa, quando à pouco fui tentar a minha última solução, que era o simpático porteiro da faculdade, o senhor ouviu a minha descrição do bicho e com um sorriso na cara, entregou-mo em mãos. Sabem, acho que ele nunca se vai esquecer do beijo saltimbanco que a bochecha dele recebeu. Já ganhei o dia. Bom, já tinha ganho com uns votos de feliz natal adiantados dados pela minha mãe e pela martinha, mas o que é certo é que agora já não me sodomizo mais por ter perdido coisas que, talvez de um modo bastante infantil, tanto valor dou. (:

#35

Nürnberg, 17 de Dezembro de 2007

Sabem, adoro esta coisa de ser uma pessoa completamente fútil. Tenho vinte e dois anos e nunca fiz nada de jeito com a minha vida, queixo-me quando tenho trabalhos longos e entediante pela frente, registo diariamente como estou no curso errado e como devia ter nascido num sítio onde a minha arte de dormir de papo para o ar fosse bem compreendida. Mas há uma coisa que eu sei fazer muito bem: ler. Ontem acabei o "To Kill a Mockingbird" e hoje já comecei às gargalhadas a tentar entender o inglês cómico do David Sedaris. Até agora valeu-me pelo menos uma dúzia de gargalhadas num Starbucks cheio de gente a comer bolos tamanho calórico industrial em plena hora de almoço. Um pouco antes, enquanto perdia hora e meia da minha vida a escolher onde gastar melhor uns quantos euros em livros, uma senhora muito pouco alemã, com os seus quarenta ou cinquenta anos, daquelas negras bonitas e sorridentes, vestes largas e coloridas, lenço com motivos botânicos a cobrir a carapinha, veio ter comigo e num inglês algo arranhado mas completamente compreensível pediu-me carinhosamente que lhe apontasse um livro para ela oferecer ao filho no Natal, "porque gostava que ele começasse a ler coisas boas". Ó pobre diabo. É que eu gosto muito de ler, porque aprendo coisas novas que geralmente rapidamente esqueço, e muito certamente porque ler faz com que o tempo não doa, mas saber que livro dar a um miúdo de dezasseis anos para que ele ganhe o bichinho da leitura? Isso já é complicado para mim.



Não gosto de catalogar, não o sei fazer. Não faço ideia do que é bom para ou mau para. O primeiro livro que me saltou à vista foi o On The Road, do Kerouac, mas era uma chatice se a mãe dele vinha das Áfricas até ao meu poiso só para me dar uma tareia por eu fazer o seu filho sonhar em ser um tresloucado Dean Moriarty. Desviei por isso rapidamente os olhos da letra D e fui saltar no C de Chabon. Peguei com confiança e sem segundas leituras no The Amazing Adventures of Kavalier & Clay e depois desci até ao Cormac McCarthy para pegar no pequenino The Road. Assim a minha mente relaxava daquele nervoso desesperante de lhe querer dar o On The Road. Apenas caía um pequeno pedaço do nome, certo? Além disso o livro do McCarthy enternece qualquer coração meloso com aquela história de pai e filho e, quem sabe, o miúdo até lhe dava algum valor. E não quero saber que tenha sido a Operah a indicar-me o livro, até podia ter sido a Carolina Salgado - ou uma outra qualquer personagem mais actual do panorama azeiteiro-deprimente do nosso país. Então voltei-me para a senhora - e raios se não devia ter-lhe pedido o nome de tão simples e carinhosa que ela era! - e pedi-lhe que escolhesse entre as seiscentas e quarenta e seis páginas de letra miudinha ou as duzentas com espaçamento generoso. Ela ofereceu-me um sorriso e disse que levava os dois, desejando-me um bom natal. Meia hora depois, comigo ainda à volta do que escolher, voltou e perguntou-me timidamente se tinha encontrado mais algum. Eu, que tinha finalmente há coisa de minutos passado os olhos pelo The Life of Pi, que não tinha encontrado por não saber o nome do autor - Yann Martel, Yann Martel, Yann Martel! - num gesto rápido e eficaz colhi o livro da prateleira e disse que daquele eu tinha a certeza que o miúdo, fosse lá ele de que género fosse, ia de facto adorar. Espero que não me engane. Para mim, acabei por pegar em quatro e rezar para que a conta alemã ainda tivesse dinheiro lá dentro. Diz-me o saco de plástico esbranquiçado que comprei John Banville, «The Sea» e, noutro registo, Nick Horby «A Long Way Down», Dave Eggers, «How We Are Hungry» e finalmente aquele que comecei a ler, "Me Talk Pretty One Day" do David Sedaris. Sim, adoro esta coisa de ser uma pessoa completamente fútil. É que posso muito bem vir a ser uma nulidade para o evoluir da sociedade, uma vergonha para o papai e para a mamãe, uma frágil memória na cabeça de cada uma das pessoas que tenho espalhada pelas paredes no quarto, mas o que é certo é que gosto desta coisa de sorrir às pessoas que me miram embrulhadas em pensamentos confusos quando me deixo afundar nos sofás dos cafés, gosto de sair para os zero às vezes enervantes graus desta terra e largar cachecol, luvas e gorro só para sentir o frio a estalar com os meus inatos tremores, sinto-me bem quando respiro fundo e com alguém a cantar-me ao ouvido ou a sussurrar-me a meio dos pensamentos, olho para este céu que decidiu ficar azul por uns dias e sentir-me vivo. Porque estas ocasiões são raras, porque já ninguém se sente vivo e disso sim, deviam ter todos vergonha. É fútil, é uma pena, mas é bom. E como eu infelizmente não consigo balançar as coisas, não consigo ter estes momentos e ao mesmo tempo entender os modelos e integrações empresariais, os sistemas distribuídos e tudo mais, então tenho é de passar por estes momentos e agarrar-me a eles de uma maneira muito mais forte do que qualquer sabedoria me pode dar. Pode ser que um dia ser assim me traga algum proveito. Uma futilidade proveitosa, quem sabe?

últimos