#17

Nürnberg, 12 de Outubro de 2007

Vivo em Nuremberga há trinta e três dias. Confortavelmente sentado num quarto onde passo poucas horas diariamente, escrevo acompanhado por meia centena de fotografias dos últimos sete anos espalhadas pelas paredes, todas a preto-e-branco, para serem mais fiéis à minha memória que rejeita as cores. Fora das paredes, alguns livros em português, inglês e alemão, duas belas garrafas do vinho tinto que o LIDL tinha em promoção esta semana, um copo, porque o vinho não é só decoração, algumas velas, as minhas colunas – e como foi boa a sensação de ouvir musica por elas, depois de um mês de auscultadores a atacarem os meus ouvidos - e uma guitarra comprada num antiquário de Rothenburg por dez euros. Hoje, tudo é mais fácil. Nem sempre foi assim.



Estava habituado à perfeição de Praga quando aqui cheguei a 10 de Setembro. Vinha de uma das mais belas cidades da Europa, onde tudo foi construído para deslumbrar. Ao sair da estação de Nuremberga, os meus olhos foram traídos pela confusão do transito dos automóveis, bicicletas, eléctrico, prédios construídos com a precisão alemã e muita, mesmo muita chuva. O rapaz que me foi buscar à estação não chegava, cinco, dez, vinte, quarenta minutos, chegou, parecia apressado, levou-me de carro até à faculdade, mais chuva, pressa, um estranho elevador, algumas portas fechadas, mais transito, mais chuva, aqui tens a residência, adeus que me tenho de ir embora.



Sozinho no 12 da Sophienstraße, vi o pacato quarto que me tinham reservado, de paredes brancas, carpete verde, vista própria de um rés-do-chão virado para uma rua muito pouco movimentada. Olhei as portas fechadas dos meus quatro flatmates, as três casas de banho imundas, a pocilga em que se encontrava a cozinha. Gosto de sítios limpos, asseados, onde tenha algum prazer estar. Se falarmos de cozinhas e casas de banho, mais ainda. Estou certo de que compreendem porquê. O meu espanto por ver estas quatro divisões completamente caóticas, porcas, foi um choque. Alguém me tinha tirado o tapete de baixo dos pés, deixando-me estatelado no chão imundo de uma cozinha que não conhecia a palavra esfregona, esfregão, lixívia ou detergente há, no mínimo, um ano. Sim, era tão mau assim. Pensei «Isto não pode ser verdade». Decidido, rumei a pé à estação, decidido a mudar o meu estado de espírito relativamente à cidade que me iria receber durante seis meses. A ideia não podia ter sido melhor.



Descobri que a pacata zona onde habito, a cinco minutos da Faculdade e dez do centro, é recheada de casas com não mais do que três ou quatro andares, pequenos parques, pessoas sorridentes. Descortinei o enorme centro comercial sobre o qual a estação de comboios assenta, a passagem subterrânea por baixo do trânsito da mais confusa circular de Nuremberga e, inevitavelmente, a entrada no paraíso. Se o exterior da enorme Altstad (alemão para Cidade Antiga) não impressionar ninguém com os belos parques, a calma atmosfera e os pequenos lojistas de todos os tipos, então a entrada nas muralhas da cidade irão fazer justiça à minha escolha. A cidade envolve-nos, dá-nos a beber dos seus tempos medievais, fervilha de magia. Nitidamente mais contente, voltei a casa, decidido a varrer da minha cabeça o início mais complicado.



Demorei dois dias a limpar a cozinha de uma ponta à outra. Mais um dia para uma das casas de banho. Alguns dias para pôr o quarto à minha maneira, bandeira de Portugal à janela, vocês nas paredes, Lindorfo ali, candeeiro aqui, uma colcha nova, obrigado mãe. Tenho um quarto onde me sinto bem, uma cozinha onde gosto de cozinhar, um quarto de banho onde passo meia hora depois de cada sono bem dormido, corrida pelo parque ou noite intensa de festa, sorrisos e internacionalizações de beijinhos. Não consigo descrever este sentimento de viver sozinho, tão longe de casa. É forte, por vezes atira-nos contra uma parede de espinhos, mas é a reunião de sensações mais extraordinárias que já senti. Sabe bem ser ERASMUS.

4 Comments:

Blogger Xika said...

vive. respira. transpira essa experiencia. e conta..
esses teus pedacinhos de historia.. essas imagens.. dá um cheirinho do que vives.. :)

a tua parede esta linda..

beijo repenicado da cabra no bode..
um beijo lambuzado do xiko

October 13, 2007 at 10:23 PM  
Blogger Helena Borges said...

pedrinho, se eu nao tiver nessa parede magnifica... tiro já uma foto e mando fazer um poster pa mandar pelo correio =)

October 15, 2007 at 12:36 AM  
Anonymous Anonymous said...

=) quase deu para sentir 1/10 do que vives aí...
estou a contar ir visitar-te...guarda um metro quadrado do teu chão limpinho para mim, e diz ah tua bff pa não desaparecer k eu kero conhece-la =D
beijinhos assim grandes =****

October 16, 2007 at 12:38 PM  
Blogger 13inary said...

A quem o dizes!
Ai que saudades desses tempos...
Aproveita e não desperdices nenhum minuto!!!

Grande abraço.

PS: És, provavelmente, o gaijo mais doido e mais extrovertido que já conheci. É assim mesmo... a vida é para ser vivida. ;)

October 25, 2007 at 12:47 AM  

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