#20

Nürnberg, 18 de Outubro de 2007

Tenho esta coisa muito Portuguesa de adiar tudo aquilo que me causa comichão. É um final de tarde em que tento resumir as minhas competências a uma folha de papel, para que alguém me escolha para um estágio na sua empresa. Digo que tento porque de cada vez que abro o documento as minhas mãos tendem em fugir, seja para tocar a Space Oddity na guitarra ou para fazer rolar pelas colunas um qualquer álbum dos Green Day, perdido no meio do apetitoso chocolate quente que é o minha biblioteca do iTunes. Olá, o meu nome é Pedro Pinto, sou teimoso e persistente, umas vezes nervoso e outras tantas o mais tranquilo e preguiçoso do mundo, tenho tanto de perspicaz como de idiota, gosto de vestir fato e gravata ao mesmo tempo que deixo o meu cabelo atacar furtivamente o ar à sua volta, chateia-me fazer a barba todos os dias e chateia-me quando os meus flatmates se esquecem que eu não sou a mãezinha deles. Mas mais que tudo, gosto de falar com pessoas, gosto de as fazer sentir bem, irrita-me quando sou inconveniente – o que sou amiúde – ou arrogante, consigo correr quilómetros sem me cansar e as únicas situações em que gosto de me sentar é para ler as notícias, conversar, almoçar e jantar. Gosto de fotografar, de ler, de escrever, de colar – sabes, como quando tudo o que vês à frente é uma grande névoa, mas a mais intrigante névoa que alguma vez viste – e gosto especialmente de cozinhar, comer e – pasma-te - de lavar a loiça. Feito isto, tens uma vaga para mim como programador de macacadas para computadores, páginas web ou outra coisa qualquer que me dê os trinta créditos finais de que preciso para acabar este curso – ui, ui, Mestrado! - da treta? Não gosto de mentir. Detesto mentir. Sou mau a mentir. Vai daí, custa-me escrever quão fascinantes são as minhas capacidades a programar em Java, C, ou RaiQueOParta. Dói-me dizer como estou interessando em trabalhar nesta empresa fascinante, em como sou um atento seguidor do mercado das novas tecnologias, como quero aprender tudo sobre algoritmos, complexidade e arquitectura que esta empresa maravilhosa me pode ensinar. Não me compreendam mal, o ordenado de um Engenheiro Informático é, penso, adorável. As condições de trabalho são óptimas para garantir uma vida livre de cancro de pele. E a destreza que se ganha a tocar piano – se imaginarmos que de A a Ç temos as teclas brancas e de Q a P os sustenidos – também é impressionante. Mas não é para mim. E é por isso que digo aqui em directo, Papai, Mamãe, quero ir para aqui. Só preciso de o bilhete de avião e da módica quantia de vinte e oito mil dólares que os senhores do The Institute of Culinary Education pedem para fazerem de mim um espantoso auxiliar de cozinha, com perspectivas de ser a próxima Maria de Lourdes Modesto. Que me dizem?



Entenda-se então que é graças a estas belas circunstâncias que, neste momento, os tendões das minhas pernas forçam os pedais da bicicleta a fazerem circunferências perfeitas – daquelas que eu nunca consegui fazer com um lápis ou caneta – enquanto o relógio agarra os vinte minutos que eu lhe pedi. Estou no minúsculo ginásio da minha residência (que saudades do meu ginásio aí em casa!) e tento abstrair-me que tenho um currículo para escrever. A Anne faz uns estranhos aquecimentos, aparecem o Dinesh, o Álvaro, mais tarde vai aparecer o Carlos. Esqueçam a barriga de cerveja, somos uns atletas. Peso para cá, peso para lá, dez, vinte, cinquenta, cem abdominais que em nada ajudam a que ao pêlo se junte uma barriga firme, mais umas pedaladas e está feito. A saída do ginásio, já de noite, é um pequeno sonho todos os dias. A minha residência tem um adorável jardim no seu interior, e o ar gélido ataca-me com um estalo que retribuo com um enorme sorriso, enquanto toco nas folhas caídas das árvores e espreito para dentro das janelas iluminadas de laranja de tantos estudantes que partilham S. Peter comigo. Músculos relaxados, corpo suado, passo pelo jardim aos saltos, como uma criança que acabou de receber um doce, contente por um final de tarde igual a tantos outros, daqueles que eu não me importava de repetir todos os dias. Tomo banho, preparo o jantar com que me delicio, dou uma vista de olhos pelos blogs, quando me lembro que ainda tenho o currículo para escrever. Atiro a cabeça com força em direcção aos calcanhares, miro o tecto e pergunto-me porque é que as coisas não são todas fáceis como fechar os olhos e adormecer. Abro o documento uma vez mais, agito os dedos no ar e ponho-me ao trabalho. Três segundos depois, batem-me à janela. Já vos disse como me sabe bem ser ERASMUS? Não sei quem é, mas não precisam de repetir para entender o significado. Abro a porta, aceito a garrafa de vinho, pego em dois copos ao mesmo tempo que ponho alguma música e esqueço a página completamente branca que tenho no monitor. A noite começou. Tenho esta coisa muito Portuguesa de adiar tudo aquilo que me causa comichão. Respeitemos esta tão importante herança cultural, pois então! Até amanhã (:

8 Comments:

Blogger Cláudio said...

raios, se há coisa em que somos bons é a ser portugueses, não é?

já agora, porque não tentas esta? > www.thl.tvu.ac.uk/thl/home/home.asp

mas tb te digo, se fores pra NY, eu vou ctg pra este aqui > www.mannahatta.us ou pra este > www.marqueeny.com

treta de curso...

October 19, 2007 at 4:18 AM  
Blogger Lua said...

...resume o curriculo a : sou fantástico, embora deveras peludo...**:p contratam-te fácil, porque é verdade!

October 19, 2007 at 4:58 AM  
Anonymous Anonymous said...

lol mas caso seja para o curso de culinária... é melhor omitires a parte do super peludo!!

Beijinho com olhos a querer fechar, tenho sido tantao o menino que chora xussado. ai!

Aperto de coração @*O*@ -> Koala

October 19, 2007 at 6:40 PM  
Blogger Zoltan Palotai said...

ah, very nice!!
too bad, i dont understand what you write here! :o)

October 19, 2007 at 11:17 PM  
Blogger André Lamelas said...

cursos de culinária? bora lá! ou acham que eu quero ser engenheiro informático a vida toda?

ó fitinhas, tu escreves que é uma coisa linda. *(:

depende dos dias que cá quiseres passar mas é provável que quer eu quer o fernando cá estejamos porque só vamos para portugal dia 23 de dezembro.

mais uma vez... escreves que é um mimo.

um abraço gélido (porque com o frio que aqui faz, não dá para mais)

October 20, 2007 at 12:59 PM  
Blogger Fernando Pires said...

Adorei o teu post... Sou tou preguiçoso que para mim é angustiante ler um post que preenche o monitor totalmente com letras...Mas não sei porquê, talvez por compreender perfeitamente o teu estado de espírito, devorei o teu texto como quem devora uma francesinha...Fantástico !

October 20, 2007 at 4:44 PM  
Blogger catarina said...

hmm... desculpe lá, xôr engenheiro: o xôr por acaso não dá conselhos p'ra fora? conheço uma pobre bióloga que anda aí a namorar uns portáteis jeitosos, mas ainda não decidiu a qual quer entregar os seus dedinhos...

(mas shiu, fala baixo: este que eu tenho aqui ao colo não pode ouvir nada, senão ainda amua e depois estou tramada...)

(assim de repente, dei-me conta que não sei exactamente qual o tipo de conhecimentos que um eng informático possuí, e por conseguinte, não faço ideia se um espécime desses pode ajudar a tal moça na sua difícil decisão. mas, e daí, o facto de ter a palavra "informática" no CV já é promissor.)

(ah não, espera: afinal ela também tem essa palavra. tem graça.)

(esta mania de falar na terceira pessoa ainda me arruina. um dia destes ainda acordo e descubro que, aos poucos, me transformei num jogador da bola. que diabos, eu queria casar com um, não SER um.)

(pronto, eu calo-me.)

(over and out.)

October 20, 2007 at 5:42 PM  
Blogger Cenoura Trincada said...

Hum Hum foi muito bom ler as tuas palavras em algo meu, não tão vago como a internet.
ando com saudades, muitas, que alguém me molhe com alcool ou algo do genero. alguém que veja uma cara ao contrário na minha cara (coisa que o pessoal de cá não se tem acreditado).

O menino que chora já não é o mesmo...
ALGUÉM ME CHAME MENINO QUE CHORA!

Beijinho*

Quando vens cá? Quero um abraço.

October 22, 2007 at 8:35 PM  

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