#22

Nürnberg, 27 de Outubro de 2007

É Sábado de manhã. A minha rua ganha proporções de cidade fantasma, a maioria dos estudantes que confere à rua alguma vida durante a semana foi matar saudades da comida da Mãe ou das alegres histórias do Pai. Sobro eu e os outros como eu. Espreguiço-me, bocejo, mudo de posição na cadeira enquanto dou um trago no cada vez mais suportável café instantâneo. Escolho a voz encantada de Lhasa para acordar, dou uma vista de olhos à caixa de correio com poucas novidades para contar, decido abrir o meu cantinho dos escritos para vos deixar estas palavras, falar-vos dos arranha-céus de Frankfurt, da pequenina Bamberg, da alucinante loucura no Oktoberfest, da incrível beleza de Rothenburg e, claro, da inesperada neve em Munique. Histórias dos meus seis fins-de-semana já passados por terras nesta República Federal Alemã que lentamente me prende com o seu charme frugal.



Viajar de comboio sozinho na Alemanha é um assalto à carteira. Vai daí, e como alguém um dia disse que a união faz a força, juntamos todos os fins-de-semana dez ou quinze seres sem nada para fazer na vida e compramos dois ou três dos maravilhosos Bayern-Tickets (na Baviera) ou Schönes-Wochenende-Tickets (para toda a Alemanha) que assim nos permitem viajar a cinco euros a cabeça, durante todo o dia e em qualquer comboio regional, ao contrário dos normais quarenta, cinquenta ou sessenta euros de um comboio ICE por aqui. Há coisas fantásticas, não há? Pois bem, Frankfurt foi a primeira paragem. No dia quinze de Setembro, acabado de chegar do Interrail, meto-me no comboio com o resto dos ERASMUS em direcção ao centro financeiro Alemão. Ao fim de três horas de viagem num regional que bate por grande margem os nossos inter-cidades, começo a vislumbrar no horizonte uma mancha que para mim - Português habituado à cascata de telhados da ribeira ou às casas amorfas da Rua do Zaire – causa um impacto fenomenal. Prédios que tocam o céu. Certamente levado ao colo pela cultura americana, sou susceptível a prédios grandes, conseguindo mira-los durante eternidades sem parar de me questionar como será construir uma coisa daquelas. Pois bem, em Frankfurt há muitos destes mimos para mim.



Chegamos à estação. É dia de futebol, os adeptos dirigem-se no meio dos seus cachecóis e caras pintadas para o estádio, munidos de estandartes e muita cerveja. Como pessoa curiosa que sou, peço um copo a um dos adeptos que transporta um mini-barril, com a desculpa de querer experimentar mais um tipo de cerveja alemã. Embriagado pela hora – eram ainda 10 da manhã – o simpático alemão lá me enche um copo, vai à sua vida, e eu sigo o meu passeio até ao Salão Internacional de Frankfurt, o paraíso automóvel na terra que duas vezes por ano traz um milhão de visitantes à cidade.



O centro de exposições de Frankfurt é impressionante, colossal e, infelizmente, atulhado de seres, como eu, ávidos por ver os carros que jamais irão ter. São dez pavilhões, cada um com espaço para muitas Exponor’s ou FIL’s lá dentro, preenchidos para nos destruir o coração. Porsches e Fiats, Aston Martins e Renaults, Lamborghinis e Pegeouts, Ferraris e Skodas, BMWs e VWs, há para todos os gostos. Foi uma pena estar tanta gente enfiada lá dentro, pois não conseguimos ver metade dos carros que queríamos. Chegou pelo menos para ficar espantado com uma apresentação da Porsche e para fazer festinhas a um Dodge Viper. À cidade propriamente dita, não há muitos elogios a fazer. O centro histórico resume-se a uma pequena praça, mas tudo o resto são avenidas e ruas banais, com espaço para os arranha-céus das sedes do Banco Central Europeu ou do Deutsche Bank. Depois de uma tarde a cirandar, depois de um almoço à base de comida coreana e um café no Starbucks, rumamos para casa, totalmente relaxados com a nossa primeira saída de Nuremberga.



No fim-de-semana seguinte veio Bamberg. Uma pequenina cidade da Baviera que faz lembrar Nuremberga, com duas grandes catedrais no alto de uma colina, e muitas pequenas casas timbradas que assentam com desconfiança num pequeno rio, todas elas com um pequeno jardim que mergulha rio dentro. Nesta cidade experimentei pela primeira vez dois tipos de cerveja completamente diferentes. A primeira era uma Rauchbier - cerveja fumada - que, inexplicavelmente sabia a presunto. Boa para experimentar, mas só mesmo para isso. A segunda era uma cerveja sem gás, com aspecto de chá e um sabor delicioso. A empregada que serviu esta segunda cerveja fazia com certeza parte da experiência do cliente, adorei. Mas cerveja, cerveja, veio depois.



Os dois sábados mais alucinantes da minha vida têm um nome em comum: Oktoberfest. Seis milhões de visitantes bebem, por ano, sete milhões de litros de cerveja durante os dezassete dias do festival. Quarenta e dois hectares de espaço são preenchidos por catorze tendas gigantescas das cervejarias mais famosas da Alemanha, pequenas barracas com tudo e mais alguma coisa para vender, carrosséis, montanhas-russas e coisas cujo nome eu nunca vou saber e, claro, muita, mas mesmo muita, muita gente.



Deslocarmo-nos de Nuremberga para Munique a fim de termos lugares sentados dentro de uma das tendas principais significa acordar às quatro e meia da manhã, o que vai dar ao mesmo que dizer «não dormir». Pequeno-almoço em casa, café na estação, cerveja no comboio para aquecer para a festa. São sete da manhã e já estamos em Munique. O sol ainda não levantou, pelas grandes alamedas do recinto homens incansáveis recolhem o lixo do dia anterior, enormes camiões chicoteiam o pavimento com jactos de água, fornecedores deixam pão desprotegido à porta das barraquinhas, a pedir que o Português esfomeado surripie um sem ninguém ver. Somos os primeiros a abancar à porta da tenda, de certo não vamos ser os primeiros a entrar, tal é a confusão. As portas abrem às nove e por essa hora a fila atrás de nós é descomunal. Abriram. Correria, confusão, empurrões, gritos, agarra esta mesa, não esta, agarra uma qualquer porra, não importa, sentem-se! Trinca para um lado, chega para lá pelo outro, rabo no banco corrido, ufa, venham então vinte litros de cerveja por favor, e tu, menina bonita, podes-me deixar um Bretzel aqui na minha mesa? Deus te pague – que eu sei quão religiosas são as pessoas por estes lados.



Das nove da manhã até às três da tarde não fazemos outra coisa se não rir, conhecer multidões, abraçar e beijar austríacas, brasileiras, americanas, australianas e o diabo a sete, é o Oktoberfest, não interessa! A simpática Heidi de Innsbruk dá-me a sua caneca de vinho. Custou-lhe trinta euros mas ela já não quer mais. O rapaz de Viena partilha comigo a sua Weisswurst. O italiano empresta-me o chapéu e ó diabo, que a Americana dá beijos bons. Com o nosso grupo é o mesmo que sempre, berra-se em espanhol que nos viemos emborrachar e que o resultado não importa. Perco uma aposta, sou obrigado a beber um litro de golada. Por favor, tirem-me daqui. São três da tarde e que idiota que sou que não pedi o número às Austríacas. Nem uma foto lhe tirei, besta, besta. Mas o que lá vai lá vai, agora estamos cá fora e é tempo de montanha-russa, carrossel hiperactivo, é tempo de me perder e fazer mais amigos cá fora, dá-me o teu numero, toma o teu, como é que era mesmo o teu nome, tens um vestido muito giro, vemo-nos um dia qualquer por acaso, talvez, hey, Cristiano Ronaldo – eu?, uma foto, um abraço, mais outra, e outra, eram à volta de quinhentas mil pessoas a deambular de baixo de um calor incrível, são duzentas e sessenta fotos de histórias para contar. Finalmente encontro-os, dirigimo-nos para a estação, arranjamos um espacinho no chão do comboio, passa-nos pela cabeça que viemos duas vezes a Munique e não vimos nada da cidade, fechamos os olhos e adormecemos. Mãe, Pai, eu estou bem.



Passada a experiência acelerada, relaxamos em Rothenburg por um dia. E que cidade encantadora esta. Rothenburg ob der Tauber, situada na chamada Estrada Romântica, foi a vila que inspirou as ruas de Pinóquio e que, já agora, me inspirou a mim também, pois então, que não sou menos que o Walt Disney.



A tarde passada aqui foi maravilhosa, culminando com a minha fugaz visita a uma loja de antiguidades de onde saí com menos dez euros e com as mãos segurando uma bela guitarra alaranjada com um requintado som a desenrasca. Ficam ainda memórias de tantas e tantas casas a vender brinquedos, típicos desta região, peluches gigantes, flores de madeira, gatos de latão, chapéus de veludo, fantasias que não se compram mas que se cheiram ao virar de cada estreita calçada. As pequenas serpentinas de ruas, os cavalos mais bonitos do mundo a puxar elegantes charretes, casas e casas que parecem ser feitas de chocolate, casas e casas a vender chocolate, um vale de um verde extraordinário a perder de vista, uma gigante muralha a proteger a cidade, certamente não de algo que a possa atacar mas sim para não deixar que toda esta beleza e magia escapem à vila mais bonita que alguma vez visitei. Se vierem cá, quero-vos lá levar.



Por último, falta-me falar do regresso a Munique. O boletim meteorológico, que me lembra Serenela Andrade, prometia neve e esta não falhou. Sim, meninos e meninas, estávamos a meio de Outubro e já nevava. A cidade não estava coberta de branco, nem nada que se pareça, ficando essa tarefa reservada para os capots dos carros, mas o que é certo é que eu vi, com os meus olhinhos de menino encantado, cair estrelinhas de neve. Tínhamos ido a Munique porque as Polacas queriam companhia para irem votar. Aparentemente a Polónia era até aquele dia liderada por um Presidente da República e um Primeiro-ministro gémeos, que não agradavam a ninguém. Pois bem, a vontade era tal que as meninas lá se deslocaram a Munique de propósito para se fazerem Mulheres (!) e nós fomos atrelados. E sim, finalmente vi Munique!



Não vi tudo, porque o frio era muito e a Haufbrauhaus era mesmo ali ao virar da esquina, com os seus canecos de 1L prontos para serem levados pela minha pessoa a fim de me servirem como chávena de chá. Não obstante, a cidade é linda de morrer. Grandes avenidas, num estilo que me lembra uma mistura de Alguma Coisa com Budapeste. Uma sobriedade incrível mas extraordinária, onde a imponente arquitectura se mistura com os fantásticos jardins do palácio, onde as praças históricas dão lugar ao maior parque citadino da Europa. E depois a neve, porque nevou, e eu corri para ela como uma criança corre para ela também. Porque é branca e faz desenhos, e não chateia ninguém. Por agora, pelo menos. Tenho de voltar a Munique, a cidade é grande de mais para se ver numa tarde. Para já, deixo-me estar apaixonado por ela.



Já não é Sábado de manhã. São sete da tarde, passei o dia mergulhado no meu belo One Flew Over the Cukoo’s Nest, dando umas escapadelas aqui para tentar escrever o que me vinha à cabeça dos fins-de-semana passados. Ficam muitas histórias para contar, como o meu assalto a uma fonte em Frankfurt, a simpática velhinha do comboio que me obrigou a falar Alemão durante a viagem toda (era bom, era), as simpáticas empregadas que me deixam apaixonado de cada vez que vou a algum lado, o caneco que se partiu nos carrinhos de choque, a invasão de japonesas que não se foi embora enquanto não me deu muitos beijinhos e fotografias ou os simpáticos italianos que amam Coimbra. No entanto não há tempo para tudo, fica aqui por isso apenas um cheirinho.



Amanhã seguimos para Dachau, um dos mais importantes campos de concentração da era Nazi. Tenho sentimentos contraditórios a visitar o lugar. Custa-me que façam do local um destino turístico, chateia-me que tenha este bichinho que me chama para ser um desses turistas que cria o destino. Até agora, sempre que perguntei como foi a visita às pessoas que conheço que lá foram recebo sempre o mesmo. Um longo suspiro. Depois, virão Berlim, Dresden, quem sabe Colónia e se for barato, Amesterdão, para uma visita relâmpago a Delft e Gent. Para o Natal, sonho com Cracóvia, Varsóvia, Vilnus, Riga e Tallin. Será que consigo?


(ah. este texto tem o apoio do sindicato das palavras. vai com toda a certeza empacotando com muitos erros de ortografia, estrangeirismos mal escritos, incertezas e repetições de palavras até à exaustão. não gosto tanto, mas vamos lá experimentar. só por uma vez, está bem? *publish-post*)

4 Comments:

Blogger catarina said...

cristiano ronaldo - tu?
LOL

[pronto, já passou:)]

gosto das tuas descrições. alguém disse uma vez que sabia que um livro era realmente bom quando, ao acabar de o ler, tinha vontade de recomeçar. eu sei que as tuas descrições são boas porque, ao acabar de as percorrer, tenho vontade de me fazer aos ares e ir conhecer esses cantinhos de que falas.

[o sindicato das palavras é conhecido por respeitar a liberdade de pensamento e a libertinagem na gramática... mas duvido muito que tolere afirmações de teor tão fortemente machista como "(...) matar saudades da comida da Mãe ou das alegres histórias do Pai."]

(;

October 27, 2007 at 8:37 PM  
Blogger paperdoll said...

as fotos são todas fantásticas mas a última está demais... quero essa câmara. :(

October 28, 2007 at 12:49 AM  
Blogger paperdoll said...

ah e não vi nenhuns "erros de ortografia, estrangeirismos mal escritos e repetições de palavras até à exaustão"!

October 28, 2007 at 12:57 AM  
Blogger Cláudio said...

querido manjerico:

arre, que se fosse preciso, até a descrição de uma tarde de canastra num qualquer centro de dia havia de parecer entusiasmante!
só me chateia que, apesar de o post ser longo, apenas abarque prái 0.3% daquilo que se passou.
ainda assim nada que surpreenda, vindo de ti.
Fico à espera dessa visita não-tão-relâmpago-como-isso a Gent.

Beijo

October 28, 2007 at 2:22 PM  

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