#24

Nürnberg, 31 de Outubro de 2007

São quase dez da noite, sentado a um canto do átrio da minha faculdade, com uma vista privilegiada para o enorme parque onde ela repousa, escrevo este texto acompanhado por sons dispersos. Os sapatos do porteiro acompanham um chocalhar de chaves intermitente, por cada porta que deve ser fechada. A acompanhar a melodia, uma ténue melodia clássica embala os meus pensamentos, vinda directamente da sala onde a orquestra de estudantes da universidade de ciências aplicadas de Nuremberga ensaiam às quartas-feiras. Na enorme mesa que tenho só para mim começo a receber mensagens de todos a falarem-me de diferentes festas a acontecerem ao mesmo tempo. Afinal de contas, é Halloween. No entanto, hoje vou fugir ao espírito ERASMUS, vou ser eu próprio e dormir bem cedo. O motivo? Acordar às quatro da manhã tendo como destino Salzburgo, na Áustria. A minha ideia era ir sozinho, partir à descoberta, mas há cinco minutes atrás, em conversa com a Nadya, a minha Moscovita preferida, ganhei companhia para a viagem de quatro horas até ao Paraíso Alpino. Cheira-me a que vai ser em grande. Doe, a deer, a female deer. Ray, a drop of golden Sun. Me, a name I call myself. Far, a long long way to run!



Dou algumas voltas à cadeira. O porteiro ameaça correr-me daqui para fora sem eu acabar de escrever o texto de hoje, chutando-me para o meu apartamento em S. Peter. Mas eu estou aqui tão bem. Não que tenha ficado muito estudioso nestes últimos dois meses, cheguei aqui há coisa de uma hora, mas esta faculdade delicia-me. A vista para o enorme e mágico bosque do Whörder See, as condições que fazem lembrar uma FEUP desenhada com gosto, para que o aluno se sinta bem. As meninas bonitas que se sentam ao meu lado e puxam conversa sem eu dar sinal de vida e os rapazes que querem saber tudo sobre o que é isso de ser Português. Os Professores que me prendem com as suas histórias sobre vidas que não aspiro ter mas que gosto de conhecer. As minhas aulas de Treino Intercultural com a Mrs. Kisro-Völker que sentada na minha secretária do alto dos seus cinquenta e nove anos de idade, agitando alegremente os pés num baloiço infantil, nos confronta com as diferenças entre o Sorridente Português, o Resguardado Finlandês e a Pequenina Coreana. As senhoras da cantina que com um sorriso malandro me poupam dois euros que não tenho na conta final, que escolhem o pedaço de carne maior para me dar, que me mimam como eu gosto de mimar e ser mimado. Sinto-me acarinhado por este sítio de uma maneira que nunca tive na minha Faculdade. E é por isso que não me importo de passar alguns momentos por aqui, depois de uma tarde bem passada. Escrevi-te do meu apartamento. Li e ri como um perdido no primeiro andar do meu Starbucks, enquanto lá em baixo o Outono atirava pequenas folhas de encontra ao sobretudo do velho do violino. Convidei-me para três salsichas de Nuremberga num pequeno pão que com deleite vagarosamente traguei enquanto via as primeiras estrelas a surgiram no céu. Entrei na maior catedral da cidade pela primeira vez, chamado pelas enormes luzes nos vitrais, para ser recebido pelos belos cantos de um coro monumental.



Hoje o dia está a ser especial. Não sei se o é por ter ficado de noite tão cedo, por ter recebido uma carta que me deixou com o coração nas mãos, por os miúdos terem saído à rua nos seus abominavelmente simpáticos fatos de noite das bruxas, se por as abóboras estarem espalhadas pela cidade ou se por e simplesmente não conseguir explicar porque me sinto bem e esse sentimento me agradar. Sei que estou bem, como não me lembro de estar, e que gostava sinceramente que cada um de vocês sentisse isto dentro da vossa misteriosa arca de emoções. Espero ao menos que tenha passado um bocado do meu sorriso de puto reguila e satisfeito para esse lado que é tão vosso. Vemo-nos por aí.

3 Comments:

Blogger paperdoll said...

tão bonito... descreves essa cidade e eu vejo-a como num filme!

hoje sorrio muito, amanhã vou à polónia :)

November 1, 2007 at 2:19 PM  
Anonymous Anonymous said...

=) que feliz que fico por saber que estás bem...
um pouco do teu sorriso reguila alegra a minha arca, que se encontra ainda fechada.

"Tonight the neon answers flare,
Occasionally we stop and stare past tiny paintings,
Painted where all the clouds were wrong,
With killer stares and sideways frowns,
In keeping with, the universe all upside down, twice,
And broken legs and arms in slings,
You cry secretly, but won't wear my diamond ring why?

A billion cares, a thousand stings you cry secretly,
Choose the chapter where they start fights,
And millionaires have bought this town and changed everything.
I found you in the lost and found,
White, white, white!"

Tiny Paintings, Architecture in Helsinki

November 1, 2007 at 4:17 PM  
Blogger Helena Borges said...

ha dias em que basta um pormenor para serem especiais. Tu tens 5 motivos... És um menino de sorte =)

Beijo grande

November 2, 2007 at 2:57 PM  

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